Pensamentos soltos de Ayla...

-->Cada pessoa traz consigo uma essência; você já parou para pensar? Cada pessoa forma uma personalidade ao longo de sua existência: forte, frágil, determinada, autoritária, crítica, dissimulada, determinada... E assim vamos adaptando-nos à selva de pedra.
Mas essa formação vai depender também das pedras que encontramos no caminho. Quando criança encontrei muitas montanhas, era estigmatizada pelo preconceito: criança feia e pobre, sem pai, neta de uma prostituta; era difícil entender o porque de tantos tititititi.... Em meio a essa falácia, uma cena persiste em meu cérebro. Devia ter uns 07 anos. Louca pelos Trapalhões e Xuxa, ficava assistindo a esses programas na vizinha defronte a minha casa (do lado de fora) pela brecha do portão da casa dela; mas ainda não satisfeita ela me expulsava toda vez dizendo a seguinte frase: “vai pra tua casa menina véia”. Eu ia para casa cabisbaixa, mas no outro dia voltava porque não podia perder esses programas e como na minha casa não tinha televisão, agüentava tudo calada.
Um dia minha mãe assistiu a uma dessas cenas diárias e me chamou, voltei toda correndo e ela perguntou: “Minha filha, você não tem vergonha na cara?”. Eu disse: “Vergonha? Que bicho é esse mãezinha? Passa na televisão?” Ela calou e disse: “Ayla, vou dá um jeito para você nunca mais passar por essa humilhação”. Mas alegria grande foi ver adentrar no dia seguinte, na sala de terra batida, a minha própria televisão (preto e branco). Sentada no tamborete, chupando meu dedo polegar direito eu era a criança mais feliz do mundo. E o mundo mesmo em preto e branco para mim era cheio de cores e sonhos.
Até certo tempo fui uma criança frágil. Alta e pernalta para minha idade era apelidada de tudo: garça, girafa, macarrão fortaleza 00, cabelo de vassoura. Vocês não têm noção do que é estar formando uma personalidade e se sentir a pior criança do mundo. As pessoas são malvadas, se comprazem com a tristeza dos outros; eu era triste e eles felizes!
Nessas horas eu me perguntava onde estava Deus. Por que existiam pessoas que tinham tudo (inclusive pai) e eu não tinha nada? Por que eu tinha tantos apelidos e eles não tinham nenhum? Por que eles tinham bolsas para guardar seus livros e cadernos e eu tinha um saco de plástico para guardar os meus? Por que eles tinham lápis de escrever lindos e os meus eram tão pequenos que chegava a doer entre os dedos?
E aí eu ia vivendo no meu mundo, era um mundo de fantasia, onde ninguém podia penetrar nele. Se vocês não sabem, existem vários mundos onde podemos viver. Mundos solitários, mundos psicodélicos, mundos invisíveis, mundos loucos e eu vivi todos esses mundos. Vivi um mundo de sofrimento interior, vendo que minha mãe se desdobrava em mil: trabalhava na salina produzindo sal 30x1, torcia tucum, bordava à noite, vendia Avon... E eu nada podia fazer a não ser ajudar à minha maneira: estudando!
Mas, mesmo enfiando a cara nos livros eu não podia fugir daquela pobreza velada, comparada ao bem estar de minhas “amigas” que tinham brinquedos, roupas bonitas, mãe e pai... Quem passou pelo que passei, sabe compreender os dilemas de uma criança de 07 anos que não compreendia o porquê de tantos dissabores.
Hoje aos 34 anos e já tendo percorrido alguns caminhos, eu consigo compreender enfaticamente o interior das pessoas, a maioria são hipócritas. Usam uma máscara de bons mocinhos, mas que por trás dessas máscaras são desumanos. Por isso tive que amadurecer em muitos aspectos a aprender a me defender dos animais predadores que viviam na selva de pedra.
(26.10.2009)

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